SALOMÓN LERNER FEBRES / MIGUEL GIUSTI Editores POSTSECULARIZACIÓN Nuevos escenarios del encuentro entre culturas Postsecularización Nuevos escenarios del encuentro entre culturas Salomón Lerner Febres y Miguel Giusti, editores De esta edición: © Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 2017 Avenida Universitaria 1801, Lima 32, Perú. feditor@pucp.edu.pe www.fondoeditorial.pucp.edu.pe Cuidado de la edición, diseño de cubierta y diagramación de interiores: Fondo Editorial PUCP Imagen de portada: Carlos Runcie Tanaka, Sumballein. Cerámica fragmentada y recompuesta, múltiples cocciones, 2003-2006. Primera edición: abril de 2017 Tiraje: 500 ejemplares Prohibida la reproducción de este libro por cualquier medio, total o parcialmente, sin permiso expreso de los editores. Hecho el Depósito Legal en la Biblioteca Nacional del Perú Nº 2017-04266 ISBN: 978-612-317-248-0 Registro del Proyecto Editorial: 31501361700456 Impreso en Tarea Asociación Gráfica Educativa Pasaje María Auxiliadora 156, Lima 5, Perú BIBLIOTECA NACIONAL DEL PERÚ Centro Bibliográfico Nacional 211.6 P Postsecularización : nuevos escenarios del encuentro entre culturas / Salomón Lerner Febres, Miguel Giusti, editores.-- 1a ed.-- Lima : Pontificia Universidad Católica del Perú, Fondo Editorial, 2017 (Lima : Tarea Asociación Gráfica Educativa). 402 p. ; 24 cm. “Actas del Tercer Congreso Regional Latinoamericano de COMIUCAP”. Ponencias presentadas en el Congreso, realizado en Cusco, del 19 al 20 de noviembre de 2015. Incluye bibliografías. D.L. 2017-04266 ISBN 978-612-317-248-0 1. Secularización (Teología) Ensayos, conferencias, etc. 2. Laicismo - Filosofía 3. Identidad cultu- ral - Aspectos religiosos 4. Iglesia y Estado 5. Iglesia y educación 6. Religión y política I. Giusti, Miguel, 1952-, editor II. Lerner Febres, Salomón, 1944-, editor III. Pontificia Universidad Católica del Perú IV. Congreso Regional Latinoamericano de COMIUCAP (3° : 2015 : Cusco, Perú) BNP: 2017-1177 223 A VIRTUDE EM ALASDAIR MACINTYRE Diego Genu Klautau, Pontificia Universidade Católica de Sao Paulo, Brasil Este trabalho investiga a concepção de virtude apresentada por Alasdair MacIntyre em sua obra Depois da virtude (2001), onde se discute a pertinência de uma tradição clássica derivada dos aristotélicos e tomistas no debate da filosofia moral contemporânea. É possível sintetizar a argumentação sobre a discussão pública da ética moderna a partir de um exercício de imaginação, proposto pelo próprio autor, onde o estudante, pesquisador ou mesmo um simples interessado no assunto ética, se aproxima das discussões como um investigador de uma civilização que perdeu o conhecimento sobre ciência moderna (física, química ou biologia) chegaria num laboratório dessa mesma ciência. Diante dos instrumentos, dos tubos de ensaio ou máquinas, a pessoa tentaria reconstruir, como um arqueólogo, as peças e vestígios, sem a noção sistemática da teoria que propiciava a coerência, a verificação e aplicação dos procedimentos da ciência esquecida com os referentes objetos na realidade. Muitas hipóteses surgiriam para tentar entender como se articulavam aqueles fragmentos de saber, de suas funções e seus propósitos, criando um intenso debate muitas vezes contraditório e estéril. Assim é a situação da filosofia moral atualmente no mundo europeu e americano. Muito se fala nos meios de comunicação, na política, no mundo corporativo e empresarial, na educação e nos treinamentos de ética, mas poucos sabem realmente o que querem dizer com essa palavra, muitas vezes reduzida a um politicamente correto caricatural ou a justificativas ideológicas de interesses subjetivos que pouco mantém de uma preocupação objetiva com o bem comum. O que se entendia por ética na tradição da civilização ocidental (filosofia grega, direito romano e moral judaico-cristã) possuía uma sistematização consistente e precisa da investigação moral, paradigma que se perdeu na contemporaneidade. A evidência mais nítida dessa crise é a afirmação de que, desde o Iluminismo do século XVIII (cuja expressão máximas e encontra em Kant), a filosofia moral e política teria se privado de debater os fins da ação humana em termos objetivos 224 224 A virtude em Alasdair Macintyre e normativos (Estado sem posicionamento moral definido), se limitando a detalhar os meios pelos quais se atingem os objetivos úteis ou agradáveis, variáveis subjetivamente e nem mesmo o próprio indivíduo teria um compromisso em nenhum nível de certa permanência em suas finalidades, podendo livremente mudar o foco, os desejos e o sentido de sua vida quantas vezes julgasse adequado, sem nenhuma amarra teleológica com seus concidadãos. Atualmente, a principal discussão em termos de identidade (consequência da investigação do sentido da vida) são os papéis sociais, entendidos como o reconhecimento que os membros de determinada coletividade concedem aos indivíduos que atuam em certa profissão que, independentemente da clareza de sua finalidade, servem à sociedade em funções específicas. Os exemplos mais prestigiados na sociedade contemporânea são aqueles que dominam racionalmente (excelência) os meios para a ação humana, sem se preocupar com uma reflexão sobre os fins: o esteta (fruição absoluta), o terapeuta (controle dos meios subjetivos) e o administrador burocrático (controle dos meios objetivos). Nos três casos, o papel social é estabelecido devido ao conhecimento dos meios de convivência, pouco importando os fins em questão. Segundo MacIntyre, a falta de clareza nos termos e expressões morais impede a correta compreensão dos fundamentos, princípios e conclusões sobre uma busca razoável e comum do bem e da justiça, gerando uma incomensurabilidade no debate moral e político, pois a convivência exige regras comuns, que só podem ser sustentadas por certa concordância de fins da vida social, que não podem ser concedidos por uma filosofia moral que prescinda de uma teleologia mínima. A abdicação de noções como direitos universais, bem comum, responsabilidades coletivas (todas oriundas de uma afirmação de uma identidade que transcende o individualismo) torna a discussão dos meios de convivência insuficiente para organizar pacificamente uma sociedade. Para delinear melhor essa crítica, MacIntyre propõe o desenvolvimento histórico (assumindo certa perspectiva hegeliana) do conceito de virtude, um componente desta tradição clássica, em três estágios: primeiro o mundo heroico, cujo represen- tante máximo é Homero; em seguida a discussão de Aristóteles, com o arcabouço teórico de telos, eudaimonia e o bem comum da pólis; e enfim a crise instaurada a partir do Iluminismo, cujo representante típico é David Hume, que a partir do século XVIII engendra os desdobramentos do utilitarismo e do kantismo como substitutos para a tradição aristotélica-tomista. Assim, como pré-requisitos para um entendimento de virtude em termos clássicos, MacIntyre afirma dois pontos: primeiro a necessidade de uma concepção narrativa de pessoa, onde a unidade narrativa da vida humana (uma história com começo, meio e fim) como base para o raciocínio moral é exigida para a consciência de uma finalidade (telos) necessária para a natureza humana, sendo que tal natureza 225 225 Diego Genu Klautau é vista não como uma máquina que se deve descobrir o funcionamento mecânico (normas e máximas universais), mas como uma realidade orgânica (inclusive com contextos culturais variáveis que devem ser respeitados) em desenvolvimento constante, e por isso é válido pensar em termos de potências, cujas virtudes seriam o meio para seu aprimoramento. Da mesma forma, a concepção narrativa de pessoa estabelece condicionantes sociais para a formação da moralidade e da consciência do indivíduo (outra influência assumidamente hegeliana), diante de suas experiências psicológicas e culturais determinadas, que não podem ser abstraídas da reflexão moral, assim como as responsabilidades e direitos comunitários (inclusive e sobretudo pátrios) devem ser investigados e postos como balizadores da filosofia moral. Questões como o colonialismo dos europeus no oriente, da escravidão africana, a conquista dos indígenas e a perseguição aos judeus são responsabilidades históricas dos países em questão que devem ser assumidas nessa elaboração ética da concepção narrativa de pessoa relativa ao seu país. O segundo ponto é a noção de prática, que tem origens na arte (techne) aristotélica, sendo qualquer forma coerente e complexa de atividade humana, que é socialmente estabelecida e reconhecida, com bens internos (satisfações intrínsecas à atividade) a serem atingidos em seu desenvolvimento e que tenha como consequência a ampliação dos poderes humanos, assim como a clareza dos seus fins e bens envolvidos. Como exemplo de práticas, podemos indicar os jogos, as ciências e as artes, sendo que a política só pode ser considerada como tal em estruturas sociais que possuam elementos de comunidade, não apenas uma conjunção de indivíduos em contratos sociais que se preservam de crimes, tal como no Estado moderno, mas que tenham o compromisso moral de promover o bem comum ativamente. Assim, a política só pode ser uma prática se reconhecer o telos e, portanto, admitir uma concepção de virtude, é o bem comum, na qual o exercício da definição, condução e finalização de projetos, recursos e ações esteja associado a esse telos, o bem comum. Caso contrário é apenas uma disputa com regras impossíveis de serem levadas a sério, com normas apenas de aparência, uma vez que o objetivo é subjetivo e obscuro, impossibilitando a fluência da prática e sua própria significação para além de uma disputa por poder individual ou sectário. Uma vez postos estes pré-requisitos, unidade narrativa e noção de prática, podemos restabelecer a virtude no mundo contemporâneo, recuperando o esquema tríplice onde existem: (1) a natureza humana em potência (a ser desenvolvida), (2) as virtudes como hábitos e disposições morais condicionantes deste desenvolvimento, e (3) o telos a ser atingido, como o objetivo do esforço moral virtuoso. A unidade narrativa traduz essa passagem da potência para o ato e a noção de prática evidencia a virtude como meio para a finalidade da realização. 226 226 A virtude em Alasdair Macintyre Finalmente, tais pré-requisitos integram os três estágios da virtude dentro da tradição moral investigada, porque: primeiro compreendem a dimensão da virtude como força que capacita o herói a cumprir o seu papel social, como nas sociedades homéricas e mitológicas; segundo porque evidenciam o telos do homem como elemento inseparável de uma reflexão comunitária sobre o bem e o mal e seus meios de atuação; e por fim demonstram a necessidade de uma mudança na discussão moral pública, transformando o princípio de sociedade de indivíduos isolados para o de comunidade em busca do bem comum, exibindo a insuficiência de um projeto iluminista de Estado neutro em termos morais, reivindicando que o debate sobre a unidade entre a virtude privada e a virtude pública não é necessariamente totalitária, ao contrário, é a ausência da clareza e inteligibilidade de critérios comuns, que são impossíveis de serem anulados, que gera a arbitrariedade de ditadores e iluminados que julgam poder ordenar a massa independente de uma compreensão de coletividade e de laços comunitários. A grande contribuição de MacIntyre é essa recuperação de uma sistematização da filosofia moral inserida numa tradição que é aberta à renovação e assume uma organicidade da vida humana que impede abstrações essencialistas sem vínculos com a historicidade e a multiplicidade cultural. A discussão pública sobre virtude só é válida quando reconhece que a identidade pessoal é inseparável da identidade social e contextual, sendo que ambas só têm substância quando estão sinceramente relacionadas com a busca do sentido da vida humana em sua plenitude. Toda a discussão sobre direitos humanos ou fundamentais exige um embasamento muito maior do que imperativos categóricos ou cálculos de dor e prazer. A consistência e, mais importante, a sinceridade intelectual do autor nos estimula a pensar que sua obra é uma carta enviada do passado, de uma ciência esquecida que se explica e se organiza diante de investigadores que começam a juntar as peças e os vestígios dentro do laboratório destroçado. Bibliografia Aristóteles (1986). Poética. Tradução e notas Eudoro de Sousa. Lisboa: Imprensa Nacional- Casa da Moeda. Aristóteles (2009). Ética a Nicômaco. São Paulo: Edipro. Caillé, Alain, Christian Lazzeri & Michael Senellart (org.) (2006). História argumentada da filosofia moral e política. São Leopoldo: Unisinos. MacIntyre, Alasdair (2001). Depois da virtude. Bauru: EDUSC. Sandel, Michael (2014). Justiça: o que é fazer a coisa certa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.